Linha reta, linha torta
- Juliana Doyle
- 23 de ago. de 2016
- 3 min de leitura
Quando nasci o mundo ainda era minimalista. Os caminhos profissionais eram restritos a no máximo umas dez carreiras, o trabalho tinha como propósito o sustento da família, era bacana trabalhar por toda a vida numa empresa só, a divisão do tempo era bem delineada, ou seja, ficar em casa era de fato ficar em casa, no sentido mais desconectado possível. Homem era homem (mesmo que contrariado), mulher era mulher (mesmo que contrariada), boi era boi, vaca era vaca. Em assim sendo, fui ensinada que a vida era linear. Ou seja, a gente nasce, anda, estuda, cresce, escolhe uma profissão, consegue um bom emprego, namora algumas vezes, casa, tem filhos (pelo menos dois), resolve uns probleminhas aqui, outros acolá, tem netos, aposenta e tchau. Fim da linha.
Bem, não é bem isso que o decorrer da vida líquida moderna tem me mostrado. Nasci, brinquei, estudei, cresci, escolhi uma profissão, escolhi outra profissão, tive uma filha, casei (começou a inversão dos fatores), apareceu uma terceira profissão, tive outro filho, me deu saudades da segunda profissão, voltei para a sala de aula para concluir a segunda faculdade que ficou de quarentena enquanto a maternidade me deu a melhor rasteira da minha vida e... deixo reticências para o próximo capítulo. Enfim, um verdadeiro samba do crioulo doido que somente agora do alto dos meus 37 anos começa a fazer algum sentido. Ou não?
Entendi que na vida enquanto uns navegam por rios que certamente desembocarão no mar outros se aventuram por correntezas malucas com a esperança de um dia encontrar a calmaria, a paz. Aqueles que aparentemente já nascem absolutamente certos do que querem, surfam pelos anos sem uma quedinha sequer. Aos 30 anos já estão da metade pro meio de suas prósperas carreiras, com famílias meticulosamente planejadas, somente aguardando o momento perfeito que certamente (será?) vai acontecer.
Enquanto isso, na sala de justiça, os sonhadores, os idealistas, preferem experimentar diversas portas da vida e vivem na montanha russa. Apostam suas fichas muito mais na trajetória que no fim delas, acreditam somente naquilo que realmente faça sentido, faça a diferença e talvez, por isso, se desencantem mais facilmente quando enxergam que a realidade não encontra suas expectativas. E vão se reinventando. Professoras viram artesãs, advogados se encontram como chefs de cozinha, publicitários viram mestres da ioga, a psicóloga competente e bem sucedida vai embora do país para acompanhar o marido, engenheiros tornam-se agentes sociais, alguns corajosos se envolvem na política, a super executiva poliglota opta por ficar em casa com os filhos, a administradora começa a plantar e vender orgânicos, a jornalista “urbanoide” paulistana muda-se para uma eco-vila e passa a viver do seu blog e assim a vida vai fluindo em espiral.
O curioso é que mesmo tendo aquela invejinha branca das pessoas estabilizadas, concursadas, “encarreiradas” (neologismo?) a novidade, a dúvida, o risco insistem em aparecer quando tudo parece estar calmo. Cá entre nós, se pudesse voltar no tempo, teria desenhado uma vida mais reta. Sei lá! Parece mais fácil, mais lógico, menos sofrido. Mas a essa altura do campeonato só me resta aceitar que o coração tem mesmo razões que a própria razão desconhece e que se cada dia for vivido como se fosse o único, se cada etapa for encarada como se fosse a mais importante da vida, os dias passam sem sofrimento, o coração se acalma e no final terei muitas histórias para contar, muitas memórias e muitas, muitas pessoas guardadas no coração que fizeram parte desta trajetória maluca. Dia desses recebi uma foto de uma amiga ao lado do ator Rodrigo Santoro. Confesso que fiquei alguns minutos me questionando se teria ele sido meu colega de escola, meu colega de faculdade (mas qual delas?) ou se tinha sido meu aluno....
Não estou querendo fazer uma apologia à desorganização, à falta de planejamento, de objetivos. Longe de mim. Minha intenção é dividir com vocês, queridos leitores um pouco da minha história, das minhas angústias e quem sabe, escutar um pouco da sua também? Como bem resumiu Guimarães Rosa. “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.”
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