Um dia comigo
- Juliana Doyle
- 28 de mar. de 2016
- 3 min de leitura
Um dia comigo
Juliana Doyle
Nas minhas madrugadas insones em busca de inspiração tenho usado parte do tempo observando as páginas de algumas blogueiras que postam vídeos mostrando a “rotina” de seus dias. Cheguei à conclusão que, de duas uma: ou sou muito incompetente ou não nasci mesmo para o glamour e para o hedonismo. Em um dia comigo meus seguidores iriam terminar a maratona no mínimo algumas gramas mais magrinhos e com dor nas costas. Tracemos um comparativo.
Enquanto lá no mundo das blogueiras a maquiagem matinal leva cerca de uns trinta produtos, aqui no meu mundo real dá para tomar um banho rápido para despertar do sono, passar filtro solar e sair com o cabelão tipo” lavou tá novo”. Se o café da manhã delas consiste em um chazinho de cramberry com maçãs desidratas, para dar conta do batidão a gente aqui do outro lado manda um café com leite com torradas. A fruta vai embrulhada na bolsa mesmo. Look do dia: aquele uniforme de guerra que seja elegante, mas que aguente a jornada de muitos agacha e levanta, entra do carro sai do carro, carrega um filho (calça branca! jamais!), dá banho no outro, faz sacolão.
Se no caminho para o trabalho elas se dão ao luxo de selecionar a trilha sonora que querem escutar, a nossa trilha sonora consiste em papati patata, perguntas sobre o porquê do mundo desde o big bang até sobre de que são formadas as nuvens, os piores hits da jovem pan (no caso dos filhos já serem pré-adolescentes) e quando estamos mesmo sem sorte, em birras intermináveis.
Se do outro lado do espelho as blogueiras são “flagradas” exibindo a barriga tanquinho ao lado do namorado igualmente sarado em uma praia em plena terça-feira, aqui no mundo real terça-feira simplesmente não dá praia....
Brincadeiras à parte, fico muito preocupada com a imagem de perfeição que blogueiras desta geração vem criando. Nada contra blogueiras, tá? Tem muita gente bacana no ramo. Fico só imaginando como lidar com tudo isso e como armar meus pequenos, principalmente a minha primogênita que já tem nove anos e começa a demonstrar alguns sinais da pré-adolescência. (Ai, ai.. definitivamente não estou preparada para isto!!). A ideia que este modelo de trabalho - digo trabalho porque ser blogueira é sim um trabalho – prega na cabecinha de nossas já tão bombardeadas crianças é de que a perfeição é algo possível e que deve ser o objetivo precípuo da vida.
Contudo, o que esse mercado vem erguendo a olhos vistos é nada mais nada menos que a indústria da solidão. Não é preciso ser muito inteligente para notar que aquilo ali é um imenso laboratório. Tenta-se a todo o momento transmitir a ideia de que aquele perfil virtual é a vida real da pessoa. E o pior! As pessoas compram o modelo, seguem e dão milhões a suas criadoras…. Mas de repente... A vida real nos atropela e se não prepararmos nossos pequenos desde bem cedo com escudos protetores contra este tipo de engodo, sabe-se lá o que pode acontecer.
Se há algo hoje que caracteriza o homem moderno é a constante substituição da realidade por simulacros. Vale mais à pena assistir ao show dos Rolling Stones pelo smartphone, mesmo estando no estádio, postando nas redes sociais a cada minuto, do que simplesmente se acabar de dançar ao som de I Know it´s only rock´n roll but I like it! Fica parecendo que é mais importante mostrar aos outros que está lá do que simplesmente apreciar, curtir o show. Sabiam que o próprio Mick Jagger ficou chocado com o número de pessoas que assistiram ao show assim aqui no Brasil? Nunca estivemos rodeados de tantas pessoas e ao mesmo tempo tão sozinhas.... Vale a reflexão, né?
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